Não entendo isso dos anos: que, todavia, é bom vivê-los, mas não
tê-los."
Envelhecer, verbo intransitivo: tornar-se
velho, parecer velho. Verbo transitivo: tornar velho. Mas na vivência real, “verbo”
imperativo.
Estou com trinta e dois
anos e adoro fazer e comemorar aniversário. Nunca foi um problema pra mim
contar minha idade pois eu sempre gostei de ficar mais velha. Eu sempre dizia:
um ano a mais de vida.
Controversamente a todo
esse sentimento, ao me deparar este ano com as primeiras (ou as primeiras que
meus olhos quiseram enxergar) linhas de expressão no meu rosto - claro que foi
inventado um nome mais bonito que rugas, para amenizar a questão -, imediatamente
me chegou o impacto: estou envelhecendo... Confesso que fiquei “baqueada”,
incomodada, talvez triste, como nunca imaginei que ficaria já que gosto de
envelhecer, ou pelo menos achava que gostava.
Comecei a questionar o
por quê deste sentimento e a primeira idéia que me veio a mente foi a
expectativa social que existe sobre nós mulheres, uma demanda de que estejamos
e sejamos sempre bonitas, inteiras. Não é difícil de pensar estatisticamente
quem são as maiores clientes das clínicas de cirurgia plástica e quem são as
maiores consumidoras de produtos de beleza e produtos anti-idade, anti-sinais.
Mesmo que sejamos pessoas conscientes dessas expectativas e que não sejamos
adeptas da escravidão aos estereótipos sociais, sofremos uma forte influência
dos mesmos em nossas vidas, muito mais do que podemos perceber.
Não ser adepto ao
estereótipo também não significa dever abandonar a si mesmo a própria sorte. É
visível a necessidade de cuidarmos bem de nós mesmos para envelhecermos com
qualidade. Cuidar da alimentação, cuidar do corpo e da alma, ou seja, ser
responsável por cuidar de todos os aspectos da própria vida.
Porém, antes de
podermos escolher como queremos envelhecer precisamos aceitar a fatalidade do
envelhecimento. Negá-la ou ficar obcecada por ela são dois lados de uma mesma
moeda de negligência ao próprio self.
Eliane Brum*,
jornalista, escritora e documentarista, comentando sobre o filme “Branca de
neve e o caçador” dirigido por Rupert Sanders, ressalta que a obra, olhando a
perspectiva da rainha má, é um conto de fadas para mulheres adultas. Obcecada
por não envelhecer, a vilã rouba a beleza e juventude das adolescentes, com
crueldade. No filme, a justificativa passa pelas decepções amorosas, no
entanto, sua vida continua tão miserável quanto antes, pois na tentativa de não
sentir ela também deixa de viver e de ter um verdadeiro encontro com o outro.
Mulheres como a rainha
má ficam demasiadamente enfocadas em sua própria inveja sobre o que as outras
têm e esquecem de desenvolver o próprio potencial. O foco fica no outro e não
em si mesmas. Dessa forma, a vida passa sem ser sentida.
Outra questão
importante que fica bem escondida detrás do incômodo pelo envelhecer é o
enfrentamento cara a cara com a própria finitude. Morte: fim da vida, não ter mais
oportunidades para realizar os sonhos e projetos que tínhamos planejado.
Mas talvez tão ruim ou
pior que a “morte morrida”, é a morte em vida. Estar vivo-morto é um jeito
auto-boicotador que encontramos para não sairmos das lealdades invisíveis aos
nossos padrões familiares. Lealdades podem se tornar gaiolas com portas
fechadas. Mesmo num descuido do dono, se a porta fica aberta, o passarinho não
aprendeu a voar e acha muito arriscada a vida lá fora, prefere voltar para
dentro da gaiola**. Estar vivo-morto é não ter a coragem de SER o que
gostaríamos, de viver nosso desejo, é não se permitir abandonar a gaiola, mesmo quando não mais nos identificamos com ela.
No filme “Ao
entardecer” dirigido por Lajos Koltai, a protagonista Ann Lord, já doente e
acamada, relembra momentos de seu passado, incomodada pelo que deixou de viver
há cinquenta anos atrás. Chegar ao final da vida e se deparar com sua vida não
vivida*** e lamentar por não ter aproveitado certas oportunidades, é no mínimo
muito triste. Numa perspectiva mais positiva, escolher conscientemente nos faz
aceitar melhor nossa vida não vivida. Escolher inconscientemente nos deixa a
sensação de eterna falta e débito com o não vivido.
Para não chegarmos a
tal ponto, precisamos investir no nosso processo de envelhe-SER. Este
investimento requer busca de coerência entre pensamento, sentimento e ação,
ou seja, agir conforme sentimos e pensamos. Esta coerência alimenta nossa
auto-estima e por consequência gostamos mais de nós mesmos, fazendo assim com
que envelheçamos saudavelmente.
De fato eu gosto de
envelhecer porque quanto mais vivo, mais vou aprendendo com a vida. Quanto mais
vivências tenho, mais vou experimentando a arte de me tornar cada vez mais
coerente comigo mesma, com meus valores, com minha ética.
As rugas no nosso rosto
são sinais dos sorrisos que sorrimos e também são marcas das lágrimas que
choramos. São as marcas do vivido. Nosso corpo é marcado o tempo todo pelas
nossas vivências. Querer impedir que elas apareçam é pedir para a vida parar.
Por mais incômodo que seja ver nosso corpo envelhecendo é ainda preferível enxergar
nele as marcas da vida a deixar de viver...
Adriana Freitas
**
Conferir: “O passarinho engaiolado” de Rubem Alves, Paulus Editora.
***
Conferir: “Viver a vida não vivida” de Robert A. Johnson e Jerry M. Ruhl,
Editora Vozes.