sexta-feira, 20 de julho de 2012

ENVELHECER, ENVELHE-SER


Não entendo isso dos anos: que, todavia, é bom vivê-los, mas não tê-los."

Envelhecer, verbo intransitivo: tornar-se velho, parecer velho. Verbo transitivo: tornar velho. Mas na vivência real, “verbo” imperativo.
Estou com trinta e dois anos e adoro fazer e comemorar aniversário. Nunca foi um problema pra mim contar minha idade pois eu sempre gostei de ficar mais velha. Eu sempre dizia: um ano a mais de vida.
Controversamente a todo esse sentimento, ao me deparar este ano com as primeiras (ou as primeiras que meus olhos quiseram enxergar) linhas de expressão no meu rosto - claro que foi inventado um nome mais bonito que rugas, para amenizar a questão -, imediatamente me chegou o impacto: estou envelhecendo... Confesso que fiquei “baqueada”, incomodada, talvez triste, como nunca imaginei que ficaria já que gosto de envelhecer, ou pelo menos achava que gostava.
Comecei a questionar o por quê deste sentimento e a primeira idéia que me veio a mente foi a expectativa social que existe sobre nós mulheres, uma demanda de que estejamos e sejamos sempre bonitas, inteiras. Não é difícil de pensar estatisticamente quem são as maiores clientes das clínicas de cirurgia plástica e quem são as maiores consumidoras de produtos de beleza e produtos anti-idade, anti-sinais. Mesmo que sejamos pessoas conscientes dessas expectativas e que não sejamos adeptas da escravidão aos estereótipos sociais, sofremos uma forte influência dos mesmos em nossas vidas, muito mais do que podemos perceber.
Não ser adepto ao estereótipo também não significa dever abandonar a si mesmo a própria sorte. É visível a necessidade de cuidarmos bem de nós mesmos para envelhecermos com qualidade. Cuidar da alimentação, cuidar do corpo e da alma, ou seja, ser responsável por cuidar de todos os aspectos da própria vida.
Porém, antes de podermos escolher como queremos envelhecer precisamos aceitar a fatalidade do envelhecimento. Negá-la ou ficar obcecada por ela são dois lados de uma mesma moeda de negligência ao próprio self.
Eliane Brum*, jornalista, escritora e documentarista, comentando sobre o filme “Branca de neve e o caçador” dirigido por Rupert Sanders, ressalta que a obra, olhando a perspectiva da rainha má, é um conto de fadas para mulheres adultas. Obcecada por não envelhecer, a vilã rouba a beleza e juventude das adolescentes, com crueldade. No filme, a justificativa passa pelas decepções amorosas, no entanto, sua vida continua tão miserável quanto antes, pois na tentativa de não sentir ela também deixa de viver e de ter um verdadeiro encontro com o outro.
Mulheres como a rainha má ficam demasiadamente enfocadas em sua própria inveja sobre o que as outras têm e esquecem de desenvolver o próprio potencial. O foco fica no outro e não em si mesmas. Dessa forma, a vida passa sem ser sentida.
Outra questão importante que fica bem escondida detrás do incômodo pelo envelhecer é o enfrentamento cara a cara com a própria finitude. Morte: fim da vida, não ter mais oportunidades para realizar os sonhos e projetos que tínhamos planejado.
Mas talvez tão ruim ou pior que a “morte morrida”, é a morte em vida. Estar vivo-morto é um jeito auto-boicotador que encontramos para não sairmos das lealdades invisíveis aos nossos padrões familiares. Lealdades podem se tornar gaiolas com portas fechadas. Mesmo num descuido do dono, se a porta fica aberta, o passarinho não aprendeu a voar e acha muito arriscada a vida lá fora, prefere voltar para dentro da gaiola**. Estar vivo-morto é não ter a coragem de SER o que gostaríamos, de viver nosso desejo, é não se permitir abandonar a gaiola, mesmo quando não mais nos identificamos com ela.
No filme “Ao entardecer” dirigido por Lajos Koltai, a protagonista Ann Lord, já doente e acamada, relembra momentos de seu passado, incomodada pelo que deixou de viver há cinquenta anos atrás. Chegar ao final da vida e se deparar com sua vida não vivida*** e lamentar por não ter aproveitado certas oportunidades, é no mínimo muito triste. Numa perspectiva mais positiva, escolher conscientemente nos faz aceitar melhor nossa vida não vivida. Escolher inconscientemente nos deixa a sensação de eterna falta e débito com o não vivido.
Para não chegarmos a tal ponto, precisamos investir no nosso processo de envelhe-SER. Este investimento requer busca de coerência entre pensamento, sentimento e ação, ou seja, agir conforme sentimos e pensamos. Esta coerência alimenta nossa auto-estima e por consequência gostamos mais de nós mesmos, fazendo assim com que envelheçamos saudavelmente.
De fato eu gosto de envelhecer porque quanto mais vivo, mais vou aprendendo com a vida. Quanto mais vivências tenho, mais vou experimentando a arte de me tornar cada vez mais coerente comigo mesma, com meus valores, com minha ética.
As rugas no nosso rosto são sinais dos sorrisos que sorrimos e também são marcas das lágrimas que choramos. São as marcas do vivido. Nosso corpo é marcado o tempo todo pelas nossas vivências. Querer impedir que elas apareçam é pedir para a vida parar. Por mais incômodo que seja ver nosso corpo envelhecendo é ainda preferível enxergar nele as marcas da vida a deixar de viver...

Adriana Freitas
** Conferir: “O passarinho engaiolado” de Rubem Alves, Paulus Editora.
*** Conferir: “Viver a vida não vivida” de Robert A. Johnson e Jerry M. Ruhl, Editora Vozes.