Em um sábado de
setembro de 2011, eu fui a uma palestra de um chef de cozinha de Belo
Horizonte, Ivo Faria, onde ele nos incentivou a fazer um retorno ao nosso
passado para relembrar de nossas memórias gustativas que começaram na infância.
Eu nunca havia parado para pensar por que gosto tanto de gastronomia e ao me
deparar com a proposta dele, busquei recordações da minha família de origem.
Inicialmente
lembrei de coisas desagradáveis, como os cheiros de galinha ao ser depenada e
sapecada, além do cheiro de peixe em abundância advindos das pescarias do vovô.
Como estas memórias não justificavam o meu prazer, segui adiante buscando mais delas.
Na minha casa e
em muitas famílias de Minas Gerais o lugar de receber visitas não é a sala e
sim a cozinha. E quando a gente vai de visitas no interior, temos que tomar
café em todas as casas porque senão seria uma grande desfeita ao visitado.
Então relembrei que
a Titia, para agradar as visitas, fazia pães de queijo, biscoitos de polvilho e
bolos doces e salgados. Coitada, apesar de todos os esforços ela nem sempre era
bem sucedida, e vovô sempre batia o pão de queijo na mesa, mostrando que tinha
ficado duro – ele não tinha a dentadura de baixo! Mas titia nunca se intimidou
e seguiu fazendo sempre suas quitandas para nós, com muito amor. Chegávamos na casa dela de
manhã para o almoço, íamos direto pra cozinha e só saíamos de lá depois do café
da tarde.
Outra reminiscência
importante é dos Natais em família. Costumamos nos reunir para comemorar,
trocar presentes e principalmente: comer! Mamãe é a especialista em saladas, a
titia faz o trivial, o titio decide sobre as carnes e eu tento levar alguma
novidade. Eu disse pra titia que a puxei no quesito do exagero. Ela cozinha que
dá para o dobro de pessoas que convidou e ainda fica com a sensação de que vai
faltar. A mesa é sempre muito, muito farta e sempre sobra para almoçarmos lá no
outro dia.
Ao me deparar
com todas essas lembranças, pude compreender o quanto nossas memórias
gustativas estão relacionadas com a forma como fomos ou não nutridos afetivamente
pelas nossas relações e como elaboramos ou não essa nutrição.
Se fomos bem
nutridos, se nossas relações afetivas foram suficientemente satisfatórias, o
que não significa nutrição demais nem de menos e sim os dois pólos
equilibrados, temos a possibilidade de lidar com a comida de uma forma mais
saudável.
Mas se fomos
pouco ou nada nutridos, possivelmente lidaremos com a comida de uma forma
doente, podendo inclusive gerar as doenças alimentares como a obesidade, a
bulimia e a anorexia – ou outras compulsões. Nesse mesmo grupo, vemos também
aqueles que foram nutridos demais. A falta de frustração quando dura um longo
período na vida de um indivíduo faz com que fique infantil, não acreditando que
pode conseguir as coisas com as próprias pernas, já que sempre ganhou mais do
que precisava e não precisou se esforçar para tal.
Depois de uma
história nutritiva “insatisfatória” já efetivada, o que fazer então? No livro
“Deixar de ser gordo” do Flávio Gikovate, uma das propostas de tratamento apontadas
é a recondução da alimentação, na subjetividade, a categoria do prazer e não da
obsessão, da doença. Entretanto, para conseguir sair da obsessão o indivíduo
precisa enfrentar seus medos mais profundos de encarar suas carências e feridas
emocionais, e ao fazê-lo, decidir como quer lidar com elas, saindo de qualquer
vitimização para uma responsabiliz-ação, com ou sem ajuda de profissionais e
grupos especializados.
Acredito
profundamente que podemos construir memórias gustativas mais positivas na
medida que nos responsabilizamos pela nossa nutrição interna, especialmente de
afeto. Me dei conta que a minha paixão pela gastronomia aumentou na medida em
que minha auto-nutrição amorosa melhorou.
E se não tivemos
boas memórias do passado, nos empenhemos em construir, individualmente e com
nossas parcerias atuais, experiências prazerosas no presente, que no futuro
serão memórias para nos orgulharmos.
Adriana
Freitas