quarta-feira, 21 de setembro de 2011

MEMÓRIAS GUSTATIVAS


Em um sábado de setembro de 2011, eu fui a uma palestra de um chef de cozinha de Belo Horizonte, Ivo Faria, onde ele nos incentivou a fazer um retorno ao nosso passado para relembrar de nossas memórias gustativas que começaram na infância. Eu nunca havia parado para pensar por que gosto tanto de gastronomia e ao me deparar com a proposta dele, busquei recordações da minha família de origem.
Inicialmente lembrei de coisas desagradáveis, como os cheiros de galinha ao ser depenada e sapecada, além do cheiro de peixe em abundância advindos das pescarias do vovô. Como estas memórias não justificavam o meu prazer, segui adiante buscando mais delas.
Na minha casa e em muitas famílias de Minas Gerais o lugar de receber visitas não é a sala e sim a cozinha. E quando a gente vai de visitas no interior, temos que tomar café em todas as casas porque senão seria uma grande desfeita ao visitado.
Então relembrei que a Titia, para agradar as visitas, fazia pães de queijo, biscoitos de polvilho e bolos doces e salgados. Coitada, apesar de todos os esforços ela nem sempre era bem sucedida, e vovô sempre batia o pão de queijo na mesa, mostrando que tinha ficado duro – ele não tinha a dentadura de baixo! Mas titia nunca se intimidou e seguiu fazendo sempre suas quitandas para nós, com muito amor. Chegávamos na casa dela de manhã para o almoço, íamos direto pra cozinha e só saíamos de lá depois do café da tarde.
Outra reminiscência importante é dos Natais em família. Costumamos nos reunir para comemorar, trocar presentes e principalmente: comer! Mamãe é a especialista em saladas, a titia faz o trivial, o titio decide sobre as carnes e eu tento levar alguma novidade. Eu disse pra titia que a puxei no quesito do exagero. Ela cozinha que dá para o dobro de pessoas que convidou e ainda fica com a sensação de que vai faltar. A mesa é sempre muito, muito farta e sempre sobra para almoçarmos lá no outro dia.
Ao me deparar com todas essas lembranças, pude compreender o quanto nossas memórias gustativas estão relacionadas com a forma como fomos ou não nutridos afetivamente pelas nossas relações e como elaboramos ou não essa nutrição.
Se fomos bem nutridos, se nossas relações afetivas foram suficientemente satisfatórias, o que não significa nutrição demais nem de menos e sim os dois pólos equilibrados, temos a possibilidade de lidar com a comida de uma forma mais saudável.
Mas se fomos pouco ou nada nutridos, possivelmente lidaremos com a comida de uma forma doente, podendo inclusive gerar as doenças alimentares como a obesidade, a bulimia e a anorexia – ou outras compulsões. Nesse mesmo grupo, vemos também aqueles que foram nutridos demais. A falta de frustração quando dura um longo período na vida de um indivíduo faz com que fique infantil, não acreditando que pode conseguir as coisas com as próprias pernas, já que sempre ganhou mais do que precisava e não precisou se esforçar para tal.
Depois de uma história nutritiva “insatisfatória” já efetivada, o que fazer então? No livro “Deixar de ser gordo” do Flávio Gikovate, uma das propostas de tratamento apontadas é a recondução da alimentação, na subjetividade, a categoria do prazer e não da obsessão, da doença. Entretanto, para conseguir sair da obsessão o indivíduo precisa enfrentar seus medos mais profundos de encarar suas carências e feridas emocionais, e ao fazê-lo, decidir como quer lidar com elas, saindo de qualquer vitimização para uma responsabiliz-ação, com ou sem ajuda de profissionais e grupos especializados.
Acredito profundamente que podemos construir memórias gustativas mais positivas na medida que nos responsabilizamos pela nossa nutrição interna, especialmente de afeto. Me dei conta que a minha paixão pela gastronomia aumentou na medida em que minha auto-nutrição amorosa melhorou.
E se não tivemos boas memórias do passado, nos empenhemos em construir, individualmente e com nossas parcerias atuais, experiências prazerosas no presente, que no futuro serão memórias para nos orgulharmos.
Adriana Freitas

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

FILHO PRÓDIGO AS AVESSAS


A história bíblica sobre o filho pródigo o aponta como aquele que estava morto e renasceu, aquele que estava perdido e foi resgatado.
Mas ao rever essa história fiquei fantasiando sobre uma releitura da mesma.
Existem muitos filhos considerados pródigos, que nada mais são do que pessoas que pensam, sentem e agem diferentemente das expectativas de seus contextos de vida, de suas famílias e da sociedade em que vivem. Talvez sejam apenas pessoas que não aceitaram vidas medíocres e buscaram e realizaram seus processos de individuação de forma digna, com coerência interna aos seus desejos e valores.
Nós seres humanos ainda estamos longe de realmente aceitar as diferenças. De fato, estas são, o tempo todo, rejeitadas e punidas.
Eu me lembro que quando decidi morar sozinha – o que não é a coisa mais comum nem da cultura brasileira, mineira, nem da minha família – fui questionada sobre o por que precisava disso já que tinha uma casa boa. Pensaram que eu não estava dando certo com minha mãe, outros insinuaram que eu a estava abandonando, ou que até mesmo não gostava mais da casa dela.
Tudo porque eu busquei realizar um desejo meu. Na verdade ninguém – ou talvez pouquíssimas pessoas – nunca me perguntou quais são os meus sonhos, mas sempre existe uma opinião de como minha vida deveria ser... E acho que isso não acontece apenas comigo; temos medo de perguntar pelo sonho alheio porque se recebermos a pergunta de volta, talvez não saibamos o que responder, já que estamos muito distanciados de nós mesmos.
O grande problema é quando ficamos na posição do filho não-pródigo, não por uma escolha consciente, mas por lealdades inconscientes aos padrões familiares e sociais. Quando não bancamos ou enfrentamos as consequências de assumir nossos mais profundos desejos.
Isso pode gerar um grande débito conosco mesmo... Que pode durar uma vida inteira... Quantas pessoas estão em casamentos infelizes, em empregos que não são suas vocações, em relações abusivas por não conseguirem dizer não e fazer uma nova e diferente escolha? Não podemos esquecer que hoje existem muitos entorpecentes e diversas são as compulsões ofertadas: drogas, álcool, comida, consumismo, trabalho, esporte, beleza, etc., todas usadas para aplacar a dor de suas vidas “não escolhidas”. Coloquei estas últimas palavras em aspas porque acredito que até a não escolha é uma forma de escolha.
Por isso tudo eu declaro em alto e bom tom que eu prefiro ser filha pródiga! Com todo respeito a todos que me são caros, mas eu preciso me respeitar e cuidar de mim em primeiro lugar, pois senão quem irá fazê-lo por mim?
E assim filho pródigo não seria mais aquele que estava morto e renasceu e sim aquele que não aceitou menos do que desejava e ambicionava para si mesmo, aquele que lutou com todas as suas forças, AQUELE QUE ESTAVA PRESO E SE LIBERTOU...
Adriana Freitas

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

DE CARÊNCIAS E VÔOS


“Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém...
Posso apenas dar boas razões para que gostem de mim...
E ter paciência para que a vida faça o resto...”
William Shakespeare

Esse trecho do Shakespeare reflete o que penso atualmente, mas infelizmente meu sentimento ainda não sintonizou com meu pensamento ou pelo menos a minha carência, quando ela aparece, faz questão de não entender isso.
Sim, porque quando estamos carentes a vontade é de exigir que o mundo ande rápido pras coisas acontecerem. Queremos o amor e queremos pra hoje, ou melhor ainda, pra ontem. Paciência que nada!
E de onde vem a carência que nos aumenta a ansiedade?
Vem das nossas necessidades não supridas, dos nossos desejos não realizados, dos nossos débitos com a gente mesmo.
E como consequência, projetamos (uma ou várias) expectativas nos nossos parceiros, esperando que eles tenham a fórmula mágica para nos satisfazer, para cobrir nossas faltas. Esperamos o Príncipe (ou Princesa) Encantado que vai chegar num cavalo branco – ou numa versão mais moderna num carrão importado como no filme “Uma linda mulher” – para nos salvar das nossas misérias.
Dessa forma, colocamos uma responsabilidade que seria nossa, nas costas de outra pessoa, que por mais bem intencionada que seja, não deveria carregar esse peso. Relacionamentos deveriam ser pássaros em vôo e não engaiolados, aproveitando a metáfora de alguns textos de Rubem Alves.
E antes mesmo de ter relacionamentos em vôo, eu me lembro que eu mesma quero SER pássaro em vôo! E estou ainda aprendendo a bater minhas asas...
Por isso, sempre que sinto essa falta, essa carência de ter um parceiro, procuro lembrar de me perguntar o que posso fazer por mim mesma? O que estou precisando neste momento?
E desde ontem me lembrei que estava me devendo investir no meu projeto de “Aprendiz de Escritora”. E então saiu este texto.
Bem, ainda continuo desejando parceria, mas em primeiro lugar estou cuidando das minhas necessidades, para que eu tenha “boas razões para que gostem de mim”.
 Adriana Freitas