As cartas de amor entraram em desuso. Mas quem não
gostaria de receber uma? E poucos são os que admitem e menos ainda os que têm
coragem de falar pois poderia parecer piegas, retrô.
Pensando em escrever sobre este tema, fiz uma primeira
pesquisa no google, achei um programa no site baixaki.com.br, que se chama
“Gerador de Cartas de Amor – 1.0” com a promessa de criar uma carta
personalizada, que tivesse mais a ver com seu amor. O programa estava
temporariamente suspenso. Caí na risada! Provavelmente não teve ibope. Porém
existem muitos sites que oferecem cartas prontas.
Agora imaginem por que uma pessoa precisaria de um
programa que lhe “ajudasse” a construir uma carta, ou de cartas prontas. As
pessoas perderam a criatividade? Ou com a velocidade das informações elas
preferem “o bolo pronto” pois assim economizam tempo?
Acredito, primeiramente, que não somos educados em
nossas famílias para compreender e expressar qualquer sentimento. Especialmente
os que são considerados negativos costumam ser totalmente reprimidos. Dessa
forma não construímos a devida conexão com nosso lado afetivo-emocional e
conseqüentemente não aprendemos a nos comunicar claramente sobre o mesmo com as
pessoas as quais nos relacionamos. E para escrever uma carta de amor é
necessário estar em profunda conexão com nossos sentimentos amorosos.
Em segundo lugar, na modernidade, após os
movimentos de liberação sexual, muitas sociedades passaram a vivenciar a
sexualidade de forma mais livre, apesar de o pensamento cultural sobre as
relações de gênero não ter mudado no mesmo ritmo. Assim, os indivíduos não têm mais
a necessidade de estar num relacionamento para experimentarem as diversas
formas de contato com o outro. Isto por um lado, favoreceu uma permissão maior
para a escolha das parcerias, mas por outro, trouxe o medo e a desconfiança com
a vinculação, uma vez que culturalmente não houve uma mudança significativa nos
papéis do homem e da mulher. Ainda existem expectativas retrógradas sobre os
mesmos, do tipo o homem ter que provar sua masculinidade através da virilidade
e a mulher ter que se comportar de forma recatada para ser considerada
confiável. Nesse contexto, podemos reconhecer o aparecimento de um padrão de relações
descartáveis onde vemos muitos casais que se dizem numa relação, mas com uma
vinculação frágil devido ao medo da entrega, do abandono ou do sofrimento, e
então, é melhor não declarar nem registrar o amor para não correr riscos. É uma
forma de defesa.
Por trás dessa perspectiva de defesa, identificamos
- o quarto ponto - também um sentimento de insegurança. Receber uma carta
significa que alguém escreveu primeiro, e se declarou primeiro do que o outro.
E neste contexto de relações fragilizadas, buscamos muitas vezes a segurança
no outro, ou seja, eu tenho que ter certeza de que o parceiro está se
entregando para só posteriormente eu me entregar. Assim, nos focamos no outro
esperando sua reação, para que ele nos dê a segurança de que podemos “entrar
nesse barco”, e nos esquecemos de olhar pra dentro de nós mesmos e entrar em
contato com nossos sentimentos mais profundos a respeito do relacionamento.
Realmente, não ser correspondido é uma ferida ao ego e ao coração, mas acredito
que é melhor ser ferido por um dia ter amado do que manter o próprio coração
intacto de cicatrizes pelo medo de amar. A segurança precisa vir de dentro,
quando aprendemos que merecemos ser amados, mas não temos nunca o controle
sobre os sentimentos do outro e que não precisamos mendigar amor, pois a vida
oferecerá novas oportunidades para a troca amorosa realmente acontecer.
Por último, não podemos esquecer também da função
do avanço tecnológico que nos trouxe a velocidade da comunicação da Internet,
que têm deixado a escrita manual em segundo plano. Mas e-mail de amor não é válido
para os corações dos amantes!! A escrita impressa é fria, a escrita a mão é
quente, podendo muitas vezes ter até cheiro e lágrimas...
Dois filmes que assisti há algum tempo, fazem
referência a carta de amor. No filme “Noivas”, com direção de Pantelis
Voulgaris, quando Niki descobre a carta de amor que Norman havia deixado pra
ela - na ocasião do encontro deles no navio que migrava as noivas que iriam se
casar na América - numa caixa com as fotografias das noivas, ele declara seu
amor no início da carta dizendo “só pra você não dizer que nunca recebeu uma
carta de amor”. O amor que não pôde ser vivido ficou guardado no coração de
ambos e eternizado pela carta.
No filme “O Clube de Leitura de Jane Austen”,
dirigido por Robin Swicord, um dos casais passa por uma crise conjugal e separação
(Daniel e Sylvia). Daniel foi o traidor e depois de arrependido, ao tentar
recuperar seu casamento com Sylvia, entra para o Clube e numa das conversas com
Bernadette, comentando sobre os homens vistos pelo olhar de Jane Austen, afirma
que nunca devemos subestimar o poder de uma carta bem escrita. Então ele tem um
insight e escreve uma carta de amor – entre outras coisas – para a ex-esposa de
forma que consegue resgatar o casamento.
Qual é então o poder de uma carta de amor?
Abrir o coração para explicitar os nossos mais
profundos sentimentos, é nos deixar nu diante do amado, mostrando toda nossa
fragilidade para ele. Esta é uma das maiores demonstrações de confiança e
entrega.
A carta nos ajuda a falar do que nem sempre
conseguimos falar na frente do amado, pois diante dele, nossas emoções nos
perturbam o coração, os pensamentos e a linguagem, e assim nos faltam palavras.
Ao escrever a carta, estamos distantes, o que nos dá o distanciamento
necessário para conseguirmos colocar as idéias em ordem e poder passá-las para
o papel e em seguida para o amado.
Uma carta de amor concretiza aquele sentimento que
o outro tem por você. É uma prova de que um dia alguém te amou. E se você
quiser, pode guardá-la “eternamente”, enquanto tiver vida. Eternizá-la.
Eu confesso o meu desejo de um dia receber uma
carta de amor... Talvez no fundo eu ainda sofra daquele romantismo antigo... Tenho
que admitir, esta é a verdade!
Eu sempre pensei o quanto seria emocionante receber
uma carta de amor, mas depois de escrever este texto, eu fiquei pensando o quão
maravilhoso seria, um dia, desejar escrever uma carta de amor...
Adriana Freitas
Adriana, achei excelente sua iniciativa de escrever sobre carta de amor. Você pontuou coisas que eu havia esquecido como por exemplo, a emoção e o sentimento expressado numa carta de amor. Fiquei até com vontade de escrever e claro receber uma carta de amor. Abraços Sônia Viana
ResponderExcluirObrigada pelo retorno Sônia, desejo que vc possa resgatar as emoções e sentimentos esquecidos! Grande abraço.
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