A vida das formigas pode ser uma
metáfora interessante se comparada com a vida humana. Podemos observar na vida
desses insetos uma variedade de comportamentos semelhantes aos nossos.
Bem, comecemos então nossa analogia. Na
hierarquia dessa sociedade complexa, a primeira classe de formigas adultas que
é a Formiga Rainha. Esta permanece ovopositando toda sua vida, ou seja,
sua função social é apenas a procriação. Em seguida os ovos, as larvas e pupas
são cuidadas e alimentadas pelas formigas obreiras.
Em nossa realidade brasileira, muitos
telejornais relatam notícias escandalizadas de mulheres que abandonaram seus
filhos das mais diversas maneiras. O espanto diante da notícia está relacionado
ao como nossa cultura nos apresenta o amor materno como algo instintivo, o que
será examinado no livro de Elisabeth Badinter, “Um Amor Conquistado: o Mito do
Amor Materno”. A autora apresenta um estudo histórico questionando o amor
materno como um instinto e apresentando-o como um Mito construído socialmente. Badinter
constata uma variabilidade de sentimentos em relação a função materna,
dependendo da cultura, das ambições e das frustrações da mãe. Dessa forma, o
amor materno não seria um sentimento inerente a condição da mulher e sim algo
construído em sua história pessoal, familiar e cultural.
O questionamento do amor instintivo
na parentalidade serve também para os homens, apesar de não haver sobre eles o
mesmo mito que há sobre o papel materno.
Outro abandono menos evidente é aquele
onde mãe ou pai, mesmo que fiquem com a criança, não têm disponibilidade
emocional para serem pais. Muitos deles não deixaram de ser filhos nem assumiram
as responsabilidades adultas, consciente ou inconscientemente. Neste sentido, da
mesma maneira como a nossa Formiga Rainha, existem mães e pais que são apenas
procriadores e nunca serão pais e mães como função, por falta de desejo ou
disponibilidade emocional.
Um outro aspecto da vida humana que
pode ser comparado com a das formigas, está ligado especialmente a algumas
compulsividades que fazem parte dos sintomas mais comuns da contemporaneidade.
Por compulsões estou considerando os comportamentos repetitivos adquiridos ao
longo do tempo, realizados para aliviar alguma angústia ou ansiedade vivida
pelo indivíduo, mas que se tornam mal adaptativos uma vez que o alívio das
tensões é apenas imediato. Assim, para obter mais alívio é necessário repetir
mais vezes o ato, podendo também gerar culpa por não resistir ao impulso e não
conseguir controlá-lo. As compulsões mais comuns são: trabalho, cuidar dos
outros, sexo, comida, jogos, álcool e drogas, atividade física, compras, etc.
Um bom exemplo para ilustrar esse
aspecto é a segunda classe de formigas adultas, as Formigas Trabalhadoras ou
Operárias, as quais se subdividem nas obreiras encarregadas pelos serviços
internos da colônia ou nas obreiras responsáveis por buscar o alimento fora do
formigueiro (Obreiras Forrageiras). Estas formigas são estéreis e dedicam a
vida a cuidar da manutenção do formigueiro.
Na vida humana encontramos pessoas que
assumiram apenas o papel de cuidador, como as Formigas Operárias. Suas vidas
giram em torno de cuidar do outro, principalmente de suas famílias e as vezes
da sociedade, não havendo nenhuma dedicação ao aspecto pessoal, sendo estéreis
para seu lado individual. Todos seus
esforços são para agradar, satisfazer e suprir as necessidades alheias. São
pessoas que compreenderam de alguma forma na dinâmica familiar de origem que só
seriam amadas se exercessem tal papel. Provavelmente quando começaram a cuidar,
receberam algum reforço ou reconhecimento por parte dos pais ou figuras de
maior importância para elas, e se fixaram nessa função com bastante
exclusividade. Essas pessoas esperam muito dos outros uma vez que se doam demasiadamente.
Cuidar é a moeda de troca para ser amado em retorno.
Como as Formigas Trabalhadoras vivem
para o trabalho, na realidade humana há a compulsão pela mesma atividade. Esta
classe de formigas passa toda a vida trabalhando, sua única e exclusiva função
na vida. Temos visto muitos homens especialmente, mas hoje muitas mulheres
também, que dedicam suas vidas ao trabalho, não apenas de forma vocacional e
prazerosa, mas de forma exclusiva. Quando utilizamos o trabalho para fugir ou
esconder de ter que sentir ou pensar em nossas relações ou problemas de vida, e
ele se torna o único sentido de nossas vidas, está instalada uma compulsão.
A última classe de formigas adultas é
a dos Machos, que têm por sua única função inseminar a rainha durante o
vôo nupcial e morrem alguns dias depois.
Associei esta última classe, aos
homens e mulheres que vivem a compulsão sexual, ou seja, sua vida mental é
ocupada por pensamentos e fantasias sexuais que lhe tiram a concentração para a
realização de outras atividades, assim como há um impulso para a passagem ao
ato de tais fantasias, nem sempre de forma responsável, colocando a vida e a
saúde dessas pessoas em risco. A sensação desses indivíduos é de que há alívio
apenas quando há cópula, e há morte após a mesma, pois após o ato sexual, o
sentimento de vazio também se intensifica, levando-os a buscar mais sexo ou
deixando-os mortificados internamente.
Considero tanto a compulsão pelo
trabalho, a compulsão por cuidar e a sexual (além das outras que não destaquei
aqui) como formas de defesa que o ser humano encontra para mascarar seu
sentimento de vazio emocional, suas carências básicas de afeto e amor. Trabalho,
cuidado e sexo, também podem ser a única forma encontrada de obter
reconhecimento e – quem sabe? – amor de pessoas significativas para o indivíduo.
Infelizmente, o grande problema de
todas essas compulsões é quando o indivíduo passa a viver apenas um aspecto da
vida, perdendo as múltiplas possibilidades do viver. E o seu grande objetivo acaba
falhando, uma vez que o alívio buscado é apenas imediato, gerando um ciclo
vicioso que demanda mais atos compulsivos para gerar mais alívio. Consequentemente,
há um empobrecimento do seu mundo interno e externo com esta fixação e
portanto, a carência que buscava-se suprir não é suprida e o vazio aumenta.
Acredito que algumas das saídas (ou
pelo menos algumas das que eu conheço) para as nossas compulsões formigais-humanas
estão no investimento em autoconhecimento, no enfrentamento do medo que
impede de abolir as fantasias e retirar a viseira dos olhos para enxergarmos
nossas reais carências e nossa real história, com todas suas dores,
desprazeres, violências e abandonos. Para tal, são necessários vários atos de
coragem. Em seguida, de posse da realidade da nossa história, precisamos
assumir a TOTAL responsabilidade por suprir nossas necessidades e carências,
por cuidar de nós mesmos, com muito carinho e amor.
Dizendo assim parece simples, mas
este é um processo que leva tempo e carece do elemento principal que é o
constante DESEJO de crescer, juntamente com assumir todas as responsabilidades
e consequências que tal processo implica. A ajuda terapêutica na maioria das
vezes também é necessária.
Adriana Freitas
Ei Drika!
ResponderExcluirMuito bom o texto! Realmente identificar nossas compulsões é fácil, o difícil é entrar em contato com essa dor, essa carência, esse vazio que nos amedronta desmedidamente. Parece até que o medo do “bicho papão” é mais assustador do que o próprio bicho. E assim como as formigas somos todos tão iguais, como diz uma amiga, profundamente tão iguais, apesar dos enredos divergentes, que chega um momento (acredito que para todos) que não dá mais, fica ridículo “passar pela mesma rua e cair no mesmo buraco” sempre. Não estamos mais cegos, agora temos a consciência. A partir daí a busca pelo crescimento é inevitável, não temos saída. E o caminho pra se chegar “lá”(sei lá onde diabos é lá) pode ser cheio de tropeços e obstáculos, pode dar medo, assustar, causar desconforto e insegurança, mas é encantadoramente interessante! rs
Beijo no coração!
Oi Gaby, muito obrigada pelo seu comentário! Realmente é muito difícil o processo de enfrentamento dos nossos vazios, mas depois que estamos no caminho e vamos colhendo as flores, que nasceram das sementes que nós próprios plantamos, é maravilhoso. Por isso vale a pena! Forte abraço!
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