Quem nunca desejou
eternizar um momento? Quem nunca quis permanecer naquele momento prazeroso por
toda a vida? Que o show nunca terminasse, que o dia nunca acabasse, que o
abraço e o beijo nunca se desfizessem... Quando vivemos um grande prazer com
uma grande entrega fica realmente muito difícil terminá-lo, considerá-lo
findo...
Senti esse desejo
recentemente três vezes.
Uma, quando estava
assistindo um show de jazz no Savassi Festival em Belo Horizonte, no final de
julho. O trio - Shai Maestro Trio - era composto por um pianista, um baterista
e um contrabaixista, sendo os primeiros de origem israelense e o terceiro de
origem peruana, mas vivendo nos Estados Unidos. Além de toda beleza das
músicas, a integração dos músicos no palco era de uma sintonia amorosa
maravilhosa. O prazer em assisti-los era imenso. Eu não queria que o show
acabasse! Ao final, ainda em êxtase, fui comprar o cd deles e em casa, ao
ouvi-lo não tinha mais a mesma magia. A magia residiu no contato vivo entre
nós. E é exatamente esta sensação que eu desejei eternizar...
O segundo momento
eternizável, aconteceu numa casa de rock que gosto de ir assistir aos shows,
também num final de semana de julho. Conheci um homem e senti algo diferente
por ele. A princípio não havia nada de muito incomum: a conversa era boa, o abraço
afetuoso e o beijo muito gostoso, e ele, sendo do estado de São Paulo, partiria
de volta no dia seguinte. Mas acredito que o verdadeiro diferencial foi que nosso
– ou pelo menos o meu - contato foi de uma entrega muito grande ao momento. E
ao final, foi muito difícil a separação. O pessoal da casa praticamente nos
convidou para pagar a conta e de quebra ir embora – “pelo amor de deus!” rs.
Sintonias como esta são raras pra mim e quando elas acontecem, com certeza dá
vontade de eternizá-las. Que a noite nunca acabe, que os corpos permaneçam entrelaçados
e que o prazer se prolongue infinitamente!
E o terceiro “momento”
durou um dia inteiro; eu não queria que aquele dia terminasse! Foi uma viagem
que fiz no início de agosto para Ouro Preto – MG, acompanhada de um querido
amigo, que se tornou meu guia turístico, já que foi minha primeira visita a
cidade. Passeamos por alguns dos principais pontos turísticos. O dia foi
perfeito, tudo deu certo. A cidade é muito bonita, com uma riqueza cultural que
me agregou alguns valores e emoções, a gastronomia uma delícia, enfim, vivi uma
experiência eternizável.
Mas infelizmente as
coisas se findam e só nos resta o sabor da memória. Bom aqui relembrar o
Drummond:
Memória
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Mas as coisas findas só
ficarão quando tivermos uma memória saudável. A memória “serve a dois senhores”
podendo ser tanto uma dádiva como também uma maldição. Para as memórias
traumáticas não elaboradas, pode tornar-se um sofrimento sem igual. Para as
memórias eternizáveis é fundamental.
Imaginem se não
pudéssemos relembrar os bons momentos? O filme “Como se fosse a primeira vez!”,
dirigido por Peter Segal, mostra bem claro este drama. A personagem Lucy
Whitmore tem um problema de memória e no dia seguinte não se lembra de nada do
dia anterior e o outro personagem Henry Roth, que se apaixonou por ela, tem que
conquistá-la todos os dias. Relembrem também das pessoas que sofrem de
demências ou Alzheimer? Será que elas sentem a angústia da falta de memória ou
será que a angústia é nossa, de quem olha de fora? Ou será que
inconscientemente essas pessoas desejaram esquecer suas vidas porque elas eram
tão miseráveis que não valiam a pena serem lembradas? Ou ainda, se desejavam
desesperadamente esquecer traumas muito profundos e dolorosos?
Por outro lado, imaginem
se realmente pudéssemos eternizar o momento... Reviver uma vez, outra e outra a mesma experiência.
Não estaríamos paralisando as nossas vidas? Não restringiríamos nossas vidas a
apenas um prazer sendo que poderíamos descobrir milhões de outros? Tal prazer
não perderia seu caráter prazeroso pela repetição?
O fato é que muito
provavelmente só aproveitemos ao máximo os prazeres que temos - quando temos ou
nos damos permissão de aproveitá-los - porque eles são extremamente fugazes. E
talvez o prazer só seja prazer por ser efêmero, e no momento seguinte nos
escapa a mão. Quem sabe se é só assim que aprendemos a dar valor ao momento
presente?
Pelo menos nos resta um
consolo: já que não podemos ou não gostaríamos de pagar o preço de eternizar os
momentos, podemos revisitar as conhecidas experiências prazerosas de vez em
quando, seja através da memória, seja pessoalmente numa nova aventura. Mesmo
que seja impossível “banhar-se no mesmo rio duas vezes”*, ainda assim vale a
pena voltar ao rio em outras estações.
Adriana Freitas
*
Referência a famosa frase de Heráclito de Éfeso.
Humm... muito prazeroso esse texto... momentos tão simples, tão singelos, quando há entrega nos faz sentir tão bem... e no final das contas é isso que importa, e só isso... mesmo que enfrentemos alguma dificuldade num próximo momento... como disse o poeta "a tristeza é o intervalo entre duas felicidades"...
ResponderExcluirBjão Dri!
Nossa Gabi, vc disse tudo! A vida é muito cíclica, ou melhor recursiva. Todos os momentos, tristes e felizes, são parte fundamental do nosso processo de crescimento. Mas estar entregue pode ser difícil em ambos os casos, dependendo da história de cada um.
ExcluirObrigada mais uma vez por acompanhar e deixar sua contribuição aqui no blog!
Um forte abraço!