Vivemos e somos uma teia interligada
de pessoas interdependentes umas das outras e nem sempre fazemos idéia da
proporção gigante dessa rede. Tampouco reconhecemos ou damos o devido valor as
relações indiretas das nossas vidas. Algumas pessoas sequer enxergam
trabalhadores de serviços básicos como garis ou atendentes de supermercado e
afins, não chegando nem cumprimentá-los quando vão ser atendidos.
Atentei-me para este tema quando eu
estava lendo o livro “Palavras de Poder – volume Brasil” de Lauro Henriques Jr..
Numa de suas entrevistas com Lia Diskin ele a questiona sobre o principal
ensinamento que aprendeu com o Dalai Lama em suas visitas ao Brasil, as quais
ela é responsável. A artífice da paz, responde que seu maior aprendizado foi a
consciência absoluta da interdependência da vida. E explica que em todas as
viagens, Dalai Lama antes de deixar alguma cidade, faz questão de ir até a
cozinha do hotel em que se hospedou e agradecer ao cozinheiro, aos ajudantes de
cozinheiro, além de reunir as equipes de limpeza e de segurança, agradecendo a
cada um pelo benefício que lhe propiciaram o que lhe permitiu cumprir sua
responsabilidade.
Sem dúvida um exemplo de visão
sistêmica, humildade e valorização de todas as relações.
Em outro momento, assisti ao dvd “Music – live in concert”, show do
violinista David Garrett, onde o artista dedica uma música, “Thank you for loving me” de Bon Jovi, a toda sua equipe dentro e especialmente
fora do palco, que sempre o ajudou nos diversos aspectos da produção de seus shows.
As fotografias e nomes de cada integrante são mostradas durante a música.
Eu sempre fico emocionada quando um
grande artista reconhece e valoriza os profissionais com os quais trabalha.
Para mim isso é mais um sinal de sua grandiosidade emocional.
Outra referência, no Volume Mundo de “Palavras
de Poder” do mesmo autor acima referendado, é a do Lama Surya Das, que fala da
nossa completa interdependência, lembrando que no zen-budismo japonês, antes
das refeições se faz uma prece em gratidão: “Agradecemos a todas as mãos e a
todos os seres que nos trouxeram este alimento”. Mesmo não conhecendo, são
muitas mãos que nos trazem nosso alimento: agricultores, pessoas da entrega,
comerciantes e a própria natureza.
Vejamos como o agradecimento é a
etapa seguinte ao reconhecimento. É a externalização da nossa reverência as
múltiplas conexões em rede e de como elas propiciam a vida.
Essas idéias me fizeram pensar nas
redes de pessoas as quais sou interdependente e decidi listá-las abaixo. Divido-a
em duas partes, relações distantes e próximas. E aproveito o momento para agradecer
profundamente a todas essas pessoas, já que infelizmente não fiz o suficiente
(mas procurarei fazer mais, em alta voz ou em pensamento), como o mestre Dalai
Lama:
Relações Distantes: Faxineiras;
porteiros; garis; agricultores e pecuaristas; transportadores; todos envolvidos
na construção civil e das estradas, cidades e trânsito; eletricistas; padeiro e
funcionários de padaria; feirantes; quitandeiras; funcionários dos
supermercados; profissionais das imobiliárias; profissionais da copasa, das
empresas de purificadores de água e da cemig; cozinheiras, auxiliares e
profissionais de restaurantes; vendedores; costureiras; bancários e demais
funcionários dos bancos; profissionais dos correios; músicos, e profissionais
envolvidos com os shows e casas de entretenimento; todos os profissionais do
cinema e literatura (vivos e mortos); pintores, artistas e diversos
profissionais da arte; médicos; contadores; carpinteiros, marceneiros; profissionais
do transporte terrestre e aéreo; frentistas e demais funcionários dos postos de
combustível; profissionais da hotelaria; profissionais da prefeitura; policiais;
profissionais do detran e redes a ele interligadas; profissionais da Internet e
suas redes (sites e conteúdos vinculados) interligadas.
Relações Próximas: pais, parentes,
amigos, clientes, alunos, terapeuta, colegas multiprofissionais.
A lista ficará em aberto para novas
lembranças e reconhecimentos, pois acredito que não consegui relatar uma ampla
extensão dessa rede, já que sempre que paro e releio, encontro mais algumas
referências.
Lama Surya Das (conforme referência
anterior) complementa que agradecer e acolher a interconexão que serve a todos
nós, não significa nem justifica a permanência na completa dependência, sendo
essencial que haja autonomia dentro da interdependência.
A autonomia não seria definida
por uma independência total de outras pessoas. Costumo pensar na mesma como uma
escolha de assumir as responsabilidades pela própria vida e arcar com as consequências
dessas escolhas, sejam elas quais forem. Considerando ainda uma ética que compreende
a avalia como minhas escolhas repercutirão nas minhas relações.
E acrescentando, Lama Surya Das diz
que o caminho da sabedoria seria o caminho da colaboração, da cooperação do
compartilhar, do dar e receber. Ele cita também o que o mestre zen vietnamita
Thich Nhat Hanh chama de “inter-ser”: nós inter-somos, nós coexistimos.
Isso significa não apenas assumir
nossa responsabilidade conosco mas mostra a importância de investir em nossos
trabalhos pois nossa colaboração é tão significativa para a rede quanto o
trabalho do outro o é para nós. Quanto mais qualidade tiver nossa “doação”, melhores
se tornam nossas redes relacionais.
Em tempos de manifestações sociais
iniciadas em junho de 2013 no Brasil inteiro, evidenciamos a relevância das
trocas de informação que a rede propicia. O movimento saiu das redes sociais da
internet para as ruas, sem ter uma liderança específica. A mídia já não tem o
poder de vincular apenas uma visão tendenciosa, pois diversos vídeos
“caseiros”, relatos e informações estão circulando pela rede, mostrando várias
versões da realidade das manifestações. Vale relembrar a força das
coletividades – e uma coletividade se faz na interdependência - e sua
influência na rede política brasileira, na medida que já verificamos alguns
movimentos de mudança na cúpula política.
A política é interdependente do povo,
e acredito que estamos aprendendo ou relembrando disso agora e utilizando os
melhores recursos da interdependência, para reivindicar nossos direitos como
cidadãos.
Adriana Freitas
Psicoterapeuta Sistêmica
Adriana, que bela reflexão. Enquanto você se referia as suas ligações indiretas e mais distantes eu me lembrei dos rostos das pessoas que vejo por aí, nas filas de banco, em restaurantes, nos postos, nas ruas... A maioria caminha como se os outros estivessem ali para servi-los e não cooperar, rostos sisudos e gestos impacientes. Fico olhando e sentindo assim como você. Como é bom poder reverenciar a tudo e a todos. Esta é a maior noção de espiritualidade a qual todos nós precisamos construir. Obrigada pelas palavras tão bem "costuradas". Abr c carinho
ResponderExcluirObrigada Renata! É isso mesmo, precisamos reverenciar as relações como um todo e de fato isso é uma espiritualidade de muito valor.
ExcluirAbraços, Adriana