sábado, 29 de junho de 2013

INTERDEPENDÊNCIA

Vivemos e somos uma teia interligada de pessoas interdependentes umas das outras e nem sempre fazemos idéia da proporção gigante dessa rede. Tampouco reconhecemos ou damos o devido valor as relações indiretas das nossas vidas. Algumas pessoas sequer enxergam trabalhadores de serviços básicos como garis ou atendentes de supermercado e afins, não chegando nem cumprimentá-los quando vão ser atendidos.
Atentei-me para este tema quando eu estava lendo o livro “Palavras de Poder – volume Brasil” de Lauro Henriques Jr.. Numa de suas entrevistas com Lia Diskin ele a questiona sobre o principal ensinamento que aprendeu com o Dalai Lama em suas visitas ao Brasil, as quais ela é responsável. A artífice da paz, responde que seu maior aprendizado foi a consciência absoluta da interdependência da vida. E explica que em todas as viagens, Dalai Lama antes de deixar alguma cidade, faz questão de ir até a cozinha do hotel em que se hospedou e agradecer ao cozinheiro, aos ajudantes de cozinheiro, além de reunir as equipes de limpeza e de segurança, agradecendo a cada um pelo benefício que lhe propiciaram o que lhe permitiu cumprir sua responsabilidade.
Sem dúvida um exemplo de visão sistêmica, humildade e valorização de todas as relações.
Em outro momento, assisti ao dvd “Music – live in concert”, show do violinista David Garrett, onde o artista dedica uma música, “Thank you for loving me” de Bon Jovi, a toda sua equipe dentro e especialmente fora do palco, que sempre o ajudou nos diversos aspectos da produção de seus shows. As fotografias e nomes de cada integrante são mostradas durante a música.
Eu sempre fico emocionada quando um grande artista reconhece e valoriza os profissionais com os quais trabalha. Para mim isso é mais um sinal de sua grandiosidade emocional.
Outra referência, no Volume Mundo de “Palavras de Poder” do mesmo autor acima referendado, é a do Lama Surya Das, que fala da nossa completa interdependência, lembrando que no zen-budismo japonês, antes das refeições se faz uma prece em gratidão: “Agradecemos a todas as mãos e a todos os seres que nos trouxeram este alimento”. Mesmo não conhecendo, são muitas mãos que nos trazem nosso alimento: agricultores, pessoas da entrega, comerciantes e a própria natureza.
Vejamos como o agradecimento é a etapa seguinte ao reconhecimento. É a externalização da nossa reverência as múltiplas conexões em rede e de como elas propiciam a vida.
Essas idéias me fizeram pensar nas redes de pessoas as quais sou interdependente e decidi listá-las abaixo. Divido-a em duas partes, relações distantes e próximas. E aproveito o momento para agradecer profundamente a todas essas pessoas, já que infelizmente não fiz o suficiente (mas procurarei fazer mais, em alta voz ou em pensamento), como o mestre Dalai Lama:
Relações Distantes: Faxineiras; porteiros; garis; agricultores e pecuaristas; transportadores; todos envolvidos na construção civil e das estradas, cidades e trânsito; eletricistas; padeiro e funcionários de padaria; feirantes; quitandeiras; funcionários dos supermercados; profissionais das imobiliárias; profissionais da copasa, das empresas de purificadores de água e da cemig; cozinheiras, auxiliares e profissionais de restaurantes; vendedores; costureiras; bancários e demais funcionários dos bancos; profissionais dos correios; músicos, e profissionais envolvidos com os shows e casas de entretenimento; todos os profissionais do cinema e literatura (vivos e mortos); pintores, artistas e diversos profissionais da arte; médicos; contadores; carpinteiros, marceneiros; profissionais do transporte terrestre e aéreo; frentistas e demais funcionários dos postos de combustível; profissionais da hotelaria; profissionais da prefeitura; policiais; profissionais do detran e redes a ele interligadas; profissionais da Internet e suas redes (sites e conteúdos vinculados) interligadas.
Relações Próximas: pais, parentes, amigos, clientes, alunos, terapeuta, colegas multiprofissionais.
A lista ficará em aberto para novas lembranças e reconhecimentos, pois acredito que não consegui relatar uma ampla extensão dessa rede, já que sempre que paro e releio, encontro mais algumas referências.
Lama Surya Das (conforme referência anterior) complementa que agradecer e acolher a interconexão que serve a todos nós, não significa nem justifica a permanência na completa dependência, sendo essencial que haja autonomia dentro da interdependência.
A autonomia não seria definida por uma independência total de outras pessoas. Costumo pensar na mesma como uma escolha de assumir as responsabilidades pela própria vida e arcar com as consequências dessas escolhas, sejam elas quais forem. Considerando ainda uma ética que compreende a avalia como minhas escolhas repercutirão nas minhas relações.
E acrescentando, Lama Surya Das diz que o caminho da sabedoria seria o caminho da colaboração, da cooperação do compartilhar, do dar e receber. Ele cita também o que o mestre zen vietnamita Thich Nhat Hanh chama de “inter-ser”: nós inter-somos, nós coexistimos.
Isso significa não apenas assumir nossa responsabilidade conosco mas mostra a importância de investir em nossos trabalhos pois nossa colaboração é tão significativa para a rede quanto o trabalho do outro o é para nós. Quanto mais qualidade tiver nossa “doação”, melhores se tornam nossas redes relacionais.
Em tempos de manifestações sociais iniciadas em junho de 2013 no Brasil inteiro, evidenciamos a relevância das trocas de informação que a rede propicia. O movimento saiu das redes sociais da internet para as ruas, sem ter uma liderança específica. A mídia já não tem o poder de vincular apenas uma visão tendenciosa, pois diversos vídeos “caseiros”, relatos e informações estão circulando pela rede, mostrando várias versões da realidade das manifestações. Vale relembrar a força das coletividades – e uma coletividade se faz na interdependência - e sua influência na rede política brasileira, na medida que já verificamos alguns movimentos de mudança na cúpula política.
A política é interdependente do povo, e acredito que estamos aprendendo ou relembrando disso agora e utilizando os melhores recursos da interdependência, para reivindicar nossos direitos como cidadãos.
Adriana Freitas
Psicoterapeuta Sistêmica

2 comentários:

  1. Adriana, que bela reflexão. Enquanto você se referia as suas ligações indiretas e mais distantes eu me lembrei dos rostos das pessoas que vejo por aí, nas filas de banco, em restaurantes, nos postos, nas ruas... A maioria caminha como se os outros estivessem ali para servi-los e não cooperar, rostos sisudos e gestos impacientes. Fico olhando e sentindo assim como você. Como é bom poder reverenciar a tudo e a todos. Esta é a maior noção de espiritualidade a qual todos nós precisamos construir. Obrigada pelas palavras tão bem "costuradas". Abr c carinho

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    1. Obrigada Renata! É isso mesmo, precisamos reverenciar as relações como um todo e de fato isso é uma espiritualidade de muito valor.
      Abraços, Adriana

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